VEJA FALA SOBRE ADOÇÃO
A revista VEJA desta semana trouxe uma extensa matéria sobre as questões de justiça relacionadas aos novos arranjos familiares, e três das estórias falam sobre adoção, vejam e deixem seus comentários:
Adoção por opção
Ana Paula Rabadan Denicol, 36 anos, dona-de-casa de Porto Alegre (RS), é casada com o técnico de informática Alexandre Denicol, de 30 anos
“Conheci a mãe biológica do meu filho, Fernando, quando ela ainda estava grávida. A mulher não tinha condições de criar o bebê e havia combinado com minha vizinha de entregá-lo a ela assim que a criança nascesse. Nesse meio tempo, minha vizinha desistiu de ficar com a criança porque havia conseguido adotar outra, pela fila de adoção, e eu tomei o lugar dela. Meu marido e eu podemos ter filhos, mas sempre quisemos adotar. Não vemos sentido em colocar mais uma criança no mundo se há tantas por aí para adotar. Fernando nasceu no dia 18 de novembro de 2003 e consegui a guarda provisória. O problema é que em menos de duas semanas, a mãe biológica recuou e entrou na Justiça pedindo o filho de volta. Como eu já tinha a guarda provisória, o juiz decidiu que enquanto o processo não terminasse o bebê ficaria comigo.
O processo durou um ano. Foi um período muito difícil, porque sabíamos que poderíamos ter de entregar o Fernando à mãe biológica de uma hora para outra. Mas eu havia decidido que, enquanto o Fernando estivesse comigo, iria cuidar dele com todo amor e carinho. Montei o quarto, comprei carrinho, agi como se fosse ficar com a gente. O nome, inclusive, eu escolhi. Ganhei a guarda definitiva quando ele completou um ano, em novembro de 2004. Hoje está com três anos e já começou a ir à escola. O Fernando já sabe que não nasceu da minha barriga e outro dia me perguntou se tinha irmãos por parte da mãe biológica. Eu disse que sim, mas não sabia onde estavam. Agora, meu marido e eu planejamos adotar uma menina.”
Direito à herança
Graciane Maria da Silva, 29 anos, escrivã da Polícia Civil de Belo Horizonte (MG)
“Quando eu tinha dois anos, minha mãe biológica abandonou o lar, deixando as três filhas — eu e duas irmãs — com meu pai. Depois disso, ele me entregou para a inquilina dele, Edith Fonseca Saraiva. Ela me criou, cuidou de mim e conseguiu minha guarda legal, apesar de não ter me adotado formalmente. Edith era viúva e já tinha outros dois filhos mais velhos, um adotado formalmente e o outro biológico. Ela sempre me tratou como filha, nunca me diferenciou dos demais, e meus irmãos e eu nos dávamos muito bem. Edith faleceu em 2002, aos 73 anos, e a partir de então as coisas começaram a mudar. Meus irmãos pararam de falar comigo e deram entrada no inventário, para dividir entre eles os três lotes que minha mãe possuía. Fiquei sabendo por acaso, porque os vizinhos comentaram que eles estavam mexendo com o inventário. Quis saber o que estava acontecendo, mas meus irmãos me ignoraram, como se eu não tivesse qualquer tipo de vínculo familiar com eles.
A Edith não tinha me adotado legalmente, mas havia deixado um testamento declarando que eu era sua filha adotiva. Com base nesse documento, entrei com processo para ser reconhecida como filha e ter direito à herança. O processo começou em 2003 e no início do ano fui reconhecida como filha afetiva. Além do testamento, o juiz considerou os testemunhos de pessoas que nos conheciam, minhas fotos com Edith e cartões de Natal como provas de afeto entre mãe e filha. Meus irmãos recorreram e eu ganhei novamente.
Quando essa história começou, senti muita mágoa deles, mas agora não sinto mais. Apesar de tudo o que aconteceu, eu ainda os considero como parte da minha família.”
Como qualquer outra família
Vasco Pedro da Gama Filho, 35 anos, cabeleireiro de Catanduva (SP). Ele vive com o companheiro Júnior de Carvalho, 43 anos
“O Júnior e eu estamos juntos há quinze anos e sempre quisemos ter um filho. Nossa primeira tentativa de adoção foi em 1998. Sabíamos que seria impossível obter isso como casal e, então, entrei com pedido de adoção sozinho para depois o Júnior entrar com o pedido de paternidade. Ainda assim, o juiz negou, alegando que se tratava de uma ‘relação anormal’. Tentamos novamente em 2004 e, finalmente, conseguimos entrar na fila de adoção. No final do ano seguinte, conhecemos a Theodora, hoje com cinco anos. A juíza que cuidava do caso autorizou que ela passasse as festas de final do ano com a gente. Em seguida, consegui uma guarda provisória de um mês e a adoção definitiva saiu em março do ano passado, em meu nome. Dois meses depois, o Júnior entrou com o pedido de paternidade e, em novembro, obteve esse direito. O que nos ajudou a conseguir a adoção de Theodora foi a mudança na mentalidade das pessoas. Sentimos que o preconceito contra a homossexualidade diminuiu muito da segunda vez que entramos com o pedido, em 2004, em comparação à primeira vez, em 1998. Da segunda vez, vários empresários da cidade e donas-de-casa vieram nos cumprimentar, dizendo que torciam para que a gente ganhasse a criança.
A Theodora estuda num colégio particular das 13h às 17h. De manhã, a gente prepara o lanche dela, confere as tarefas escolares e almoça junto. À noite, damos banho e preparamos o jantar. Nos finais de semana, levamos nossa filha à lanchonete, à pizzaria ou vamos à casa de amigos. Estávamos preocupados com a possibilidade dela sofrer preconceitos, mas isso não aconteceu. Ela freqüenta o clube da cidade e sempre é chamada para a festa de aniversário dos amiguinhos. Vamos à reunião de pais e mestres, freqüentamos festinhas escolares. Enfim, somos como qualquer outra família.